Os donos da mídia
Historicamente,
o Brasil sempre conviveu com a concentração midiática nas mãos de poucos
grupos. Apesar de não haver uma regulamentação dos meios de comunicação,
existem algumas leis que visam impedir os monopólios, como o Decreto-Lei 236/67,
que limita o número de concessões. No entanto, poucas leis são de fato
cumpridas e o que se percebe é um cenário monopolizador, com poucos grupos
controlando a chamada “grande mídia”.
De
acordo com o levantamento do projeto Donos da Mídia[1], o sistema brasileiro de
televisão é composto por 41 grupos de abrangência nacional e 551 veículos,
sendo que 61% é vinculada à rede Globo, de propriedade da família Marinho. Esse
grupo também se estende aos impressos (Jornal O Globo, Extra, Revista Época),
rádio (Globo FM) e portal de notícias na internet (globo.com).
A
TV Globo é líder em audiência no Brasil, concorrendo principalmente contra a
rede Bandeirantes, SBT, Record, Cultura, e Rede TV. O Jornal Nacional, programa
jornalístico que ocupa o horário nobre, é o telejornal de maior audiência do
país, com 1/3 das televisões ligadas na Globo nesse horário.[2]
O
grupo Globo também é responsável pela publicação da revista Época, cuja
circulação média por edição é de aproximadamente 417 mil unidades[3], sendo assim, a segunda
maior revista do Brasil em vendagens. A líder isolada é a Veja, pertencente à
editora Abril, da família Civita, cuja vendagem média é de pouco mais de 1
milhão por edição, chegando a 1 milhão e meio se considerar a circulação da Veja
BH, Veja Rio e Veja São Paulo[4].
O
grupo Folha (da família Frias) também é responsável pelo jornal de maior circulação no país, a
Folha de São Paulo, cuja média de circulação em 2012 foi de quase 300 mil
unidades por dia. Em terceiro lugar (circulação em 2012) aparece o jornal O
Globo (do grupo Globo), em quinto o Extra (idem) e em sexto o Zero Hora,
pertencente ao grupo RBS, sócia do grupo Globo, que tem o principal controle. O
quarto maior impresso é O Estado de São Paulo, da família Mesquita.[5]
Todos
esses jornais possuem extensão na internet, com portais de notícias que exibem
o conteúdo que sai no impresso (completo ou parcial), além de atualizações
constantes. A UOL (Grupo Folha) é o site de notícias mais acessado do Brasil,
seguido do G1 (Grupo Globo). Eles ocupam, respectivamente, o posto de 5º e 6º
sites mais acessados do país, ficando atrás apenas de portais de rede social
(Facebook); de busca (Google nacional e estadunidense); e o youtube.[6]
Abaixo,
uma sistematização dos dados:
Histórico político dos “donos
da mídia”
(Foto: Roberto Marinho caminha junto com o ditador militar Figueiredo)
É
importante analisar um pouco da história dos principais grupos midiáticos, para
se compreender a sua linha ideológica e cultural.
Todos
os grupos que aqui se discute são sediados na região Sudeste, nos estados do
Rio de Janeiro e São Paulo. Não apenas sediam, como se originaram nessas
localidades. Portanto, as informações, notícias e opiniões publicadas partem de
um mesmo eixo e se difundem por todo o Brasil.
Um
outro elemento aproxima esses principais meios: o discurso editorial. Formados por
grupos familiares a Globo, Folha, Abril, e Estado de São Paulo têm em comum o
apoio dado à Ditadura Militar, cujo golpe ocorreu em 1964. Dias após a tomada
do poder pelos militares, esses meios estampavam em suas manchetes: “São Paulo
parou ontem para defender o Regime” (Folha); “Fugiu Goulart e a democracia está
sendo restabelecida” (Globo); “Democratas dominam toda a nação” (Estado de São
Paulo).
A
Folha
Em
fevereiro de 2011, ao completar 90 anos, a Folha lançou uma retrospectiva do
jornal, onde explicitou o seu apoio ao governo militar, como pode ser comprovado
nos seguintes trechos em reportagem publicada em seu portal e assinada por
Oscar Pilagallo:
“A
Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa
brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart,
como fez o “Estado”, mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a
veicular críticas raras e pontuais. (...)
As
tensões características dos chamados “anos de chumbo” marcaram esta fase do
Grupo Folha. A partir de 1969, a “Folha da Tarde” alinhou-se ao esquema de
repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações
militares.
A
entrega da Redação da “Folha da Tarde” a jornalistas entusiasmados com a linha
dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação
clandestina, na Redação, de militares da ALN (Ação Libertadora Nacional), de
Carlos Marighella, um dos ‘terroristas’ mais procurados do país, morto em São
Paulo no final de 1969.”
Em
outra reportagem, do mesmo Especial de 90 anos, a Folha lançou um vídeo com
ex-presidentes elogiando o grupo. Nele, estão todos os ex-presidentes da
República pós-ditadura (José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique),
exceto o ex-presidente Lula.
Organizações
Globo
Outro
jornal que apoiou a ditadura foi O Globo. No dia seguinte ao golpe, em texto
intitulado “Os bravos militares”, o jornal comemorava a vitória dos militares,
como modo de frear a “comunização que celeramente se preparava”. No dia 7 de
outubro de 1984, cinco meses do encerramento oficial do regime militar, O Globo
publicou um editorial assinado por Roberto Marinho, chamado “Julgamento da
Revolução”. Logo no primeiro parágrafo, o diretor-chefe da Globo já deixava claro
sua relação com a ditadura: “PARTICIPAMOS da Revolução de 1964, identificados
com os anseios nacionais, de preservação das instituições democráticas (...)”.
Em outras passagens, ratifica o seu posicionamento:
“O
GLOBO (...) teria de unir-se aos ‘tenentes e bacharéis’, aos expedicionários da
FEB que ocupavam a chefia das Forças Armadas (...)
ADOTAR
outros rumos ou retroceder para atender a meras conveniências de facções ou
assegurar a manutenção de privilégios seria trair a Revolução ou seu ato
final”.[7]
Além
do apoio, houve uma relação muito próxima entre os donos das organizações Globo e
os líderes militares. A TV Globo nasceu com a ditadura em 1964 e teve sua
primeira exibição no ano seguinte. Esse período também se caracterizou pelo
aumento vertiginoso no número de concessões públicas de rádio e televisão,
sobretudo as feitas pelo presidente João Figueiredo (Heiz, 1987, p.32), das
quais se questionavam o critério adotado, que indicavam interesses políticos
dos governantes sobrepostos ao interesse público.
Um
exemplo que endossa essa suspeita é o caso da TV Bahia. Inaugurada em março de
1985 pelo família Magalhães – "coincidentemente" no ano em que Antônio Carlos
Magalhães assumiu o Ministério das Comunicações do Brasil – a TV transmitia a
rede Manchete. Em 1986 ocorreu o “Caso NEC”, onde a empresa, fabricante de
equipamentos de telecomunicações, passou para o controle das Organizações
Globo, graças a uma interferência questionável do então ministro Antônio Carlos
Magalhães (sendo, inclusive, alvo de CPI). "Coincidentemente", meses depois a TV
Bahia passou a transmitir a Rede Globo, o que se mantém até os dias de hoje
(Rubim, 2001, p.115).
O
Estado de São Paulo
O
Estadão foi outro jornal que comemorou o golpe de 1964. Com a manchete “São
Paulo repete 32”, o jornal atacou o presidente recém-deposto João Goulart:
“demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas
imposições”.
Além
dessa manifestação que já sugere uma afinidade política com os golpistas, a
diretoria do Estadão esteve próxima dos presidentes militares, como afirma
Celina Duarte (Duarte, 1987, p.101):
“Dos contatos realizados entre os assessores mais
diretos do general Geisel e os homens de imprensa, formou-se (...) um grupo de
jornalistas influentes, completamente engajado no projeto político do governo.
Esse grupo detinha especial influência nos jornais O Estado de S. Paulo, Jornal
do Brasil, e nas revistas Veja e IstoÉ. Esses jornalistas chegavam a participar
da elaboração de projetos e estratégias políticas junto com o grupo palaciano”
O
diretor do Estadão no período do regime, Júlio de Mesquita Filho, em carta, se
referia ao novo período como “nosso movimento” e elogiava o militar Castelo
Branco (Biroli, 2009, p.282).
Referências:
BIROLI,
Flavia. “Representações do golpe de 1964 e da ditadura na mídia”. VARIA
HISTÓRIA, Belo Horizonte, vol. 25, n. 41, p.269-291, jan/jun 2009. (http://www.scielo.br/pdf/vh/v25n41/v25n41a14.pdf)
DUARTE, Celina Rabello. Imprensa
e redemocratização no Brasil: Um estudo de duas conjunturas, 1945 e 1974-1978.
Dissertação de mestrado, PUC-SP, 1987.
[2] De
acordo com dados do IBOPE, cuja amostra abrange os estados do Rio de Janeiro e
São Paulo, entre os dias 01 e 07 de abril, e publicados no dia 17/04/2013.
[3]
Fonte: IVC – Instituto Verificador de Circulação, dados obtidos entre janeiro e
junho de 2009.
[4]
Fonte: IVC , dados obtidos entre novembro de 2012 e janeiro de 2013, publicado
em 22/04/2013.
[5]
Fonte: Associação Nacional de Jornais
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